Confira a entrevista com Brian Solomon, coreógrafo indígena canadense, um dos destaques do Risco Festival

Entre as atrações do Risco Festival, que está rolando em São Paulo até o dia 16 de dezembro, está o canadense Brian Solomon, coreógrafo indígena que se identifica como "two spirits" (dois espíritos). Com formação em balé e danças somáticas, seus espetáculos trabalham sobre a ancestralidade indígena através do resgate de uma memória gestual, em busca de uma "indigenização do corpo", tema da oficina que está ministrando durante o festival. Nesta entrevista exclusiva, ele nos conta um pouco sobre esse processo e o conceito de dois espíritos. Confira!

Brian Solomon - Imagem: Divulgação

LGBT Out There: Você diz em um vídeo que na sua comunidade existe um modo de vida que não ocorre na cidade, mas que pode ser valioso para todos nós. Como seria essa forma?
Brian Solomon: Na terra, as pessoas se mudam e vivem de maneira diferente. Na terra, ou seja, qualquer lugar que não seja um centro urbano, na floresta, ao lado do oceano, em uma montanha, no deserto etc., aqui a terra é desigual, e quando o corpo de uma pessoa começa a se mover sobre a terra você deve tentar ficar equilibrado e não cair. Este simples ato de caminhar sobre pedras ou areia e tentar não cair 'sintoniza' seu corpo. Alguém que vive na terra recebe mais sabedoria do mundo natural dessa maneira. Essas pessoas veem as estações mudarem, animais e plantas ganhando vida - e as criaturas da terra desistindo de suas vidas. Existe uma grande compreensão e facilidade que vem dessa sabedoria e ver a vida dessa maneira. Quando vivemos nossas vidas nas cidades, somos privados de muitos dos segredos do mundo.

LGBT Out There: Quando você fala sobre “indigenizar o corpo”, é isso que você procura resgatar e nos apresentar?
Brian Solomon: Sim, de certa forma. Acho que estou tentando fazer com que as pessoas entendam o que perderam em seus corpos quando se tornaram "socializadas". Quando saímos de nossas casas na cidade, somos ensinados a sentar, ficar de pé, entrar na fila em linha reta, ir trabalhar, ficar quieto, ficar parado, continuar andando. Fomos ensinados a nos sentar de uma certa maneira, ficar em pé de uma certa forma, e por aí vai. E fomos ensinados a fazer todas essas coisas de maneira diferente, dependendo do seu sexo. Quando começamos a dissecar todas as maneiras pelas quais nossos corpos foram colonizados em nossa vida, começamos a nos libertar disso e a encontrar um novo potencial para nós mesmos em qualquer idade.

Brian Solomon - Imagem: Divulgação

LGBT Out There: O que nós, pessoas da cidade, podemos aprender com essas comunidades que estão mais ligadas à natureza?
Brian Solomon: Tudo. Especificamente com comunidades indígenas. Muitas (se não a maioria) das coisas que as pessoas entendem agora como produtos do mundo moderno são na verdade tecnologia nativa. A lista é longa demais para nomear e está crescendo o tempo todo. Por exemplo, à medida que as mudanças climáticas persistem, incêndios violentos nas terras de onde eu vim (e no mundo todo) se tornaram cada vez mais abundantes. Tradicionalmente, nosso povo teria 'controlado incêndios' em torno de nossas comunidades e protegido essas terras. Essa prática foi proibida na maioria dos lugares, mas, se ainda fizéssemos isso, lugares como a Califórnia poderiam não ter tido a devastação causada pelo fogo que eles tiveram atualmente. Há também a questão dos medicamentos, cerca de 74% dos 121 compostos derivados de plantas atualmente usados ​​na indústria farmacêutica global foram descobertos por meio de pesquisas baseadas em informações etnobotânicas sobre o uso de plantas por povos indígenas (referência: Steven R. 1991). As comunidades indígenas devem ser vistas como uma fonte de inspiração e sabedoria, não como lugares obsoletos para se viver. Além disso, nós também realmente sabemos como nos divertir nesses lugares! Muitas de nossas comunidades e povos têm ensinamentos antigos sobre ser queer! Então isso não é tão ruim, sabe?

Brian Solomon - Imagem: Divulgação

LGBT Out There: Você poderia falar um pouco mais sobre esses ensinamentos? E como é ser "two spirits"?
Brian Solomon: O termo 'dois espíritos' é uma tradução inglesa da palavra anishinaabemowin 'agokwe', por isso não significa exatamente o que é na língua colonial. "Dois espíritos", pelo que aprendi, significa que houve uma variação na criação do indivíduo - algo diferente aconteceu neles, há um tipo diferente de espírito, e há muitas coisas mais no seu ser. Para nós (indígenas), o conceito é a inclusão de todas as versões de uma pessoa queer que existe hoje; lésbica, gay, bi, trans, não-binário ... etc. Tradicionalmente, essas pessoas tinham papéis especiais na comunidade. Eles tendiam a ser ótimos com crianças, bons conselheiros, sábios com remédios e líderes sem preconceito (porque nós estamos fora da forma como a maioria das famílias funciona e vê o mundo) sendo sempre capazes de ver o que é melhor para uma comunidade. A coisa mais animadora sobre todo o conceito é a antiguidade. O agokwe é um dos centenas de termos diferentes usados ​​pelos povos indígenas para as pessoas queer no mundo todo. Esses ensinamentos são tão antigos que são inexprimíveis. Isso é parte da nossa história como humanos. Se eu digo que sou gay, existem apenas escritos e ensinamentos que remontam a várias décadas. Não é realmente sobre você, apenas sobre o sexo que você gosta de ter. Quando eu digo que estou agokwe, ou dois espíritos, estou me conectando a algo antigo e à parte da nossa história compartilhada como seres humanos. Não é apenas sobre sexo, afeta minha personalidade, minha sabedoria, meu lugar na comunidade, fala sobre minha habilidade especial como pessoa e meu espírito.

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Nesta quarta, dia 12, às 12h30, haverá a "Dança no Vale", resultado de sua oficina "Indigenização do corpo", que será apresentado como performance coletiva no Vale do Anhangabaú. O artista também apresentará o espetáculo "A transformação do pássaro Trovão I & II" no CRD-Centro de Referência da Dança nos dias 13 e 14 às 19h. Imperdível!

Brian Solomon - Imagem: Divulgação

Para mais informações sobre o Risco Festival, que apresenta obras e temáticas que dialogam com subjetividades sociais em risco, clique aqui para conferir os destaques ou então acesse aqui o site oficial para a programação completa! E se liga porque faltam poucos dias para terminar!

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