Passeio cultural pela arte homoerótica do Museu do Louvre

Seguimos em quarentena e com aquela vontade de passear por aí, não é mesmo? Mas, enquanto isso não é possível, felizmente podemos aproveitar a internet e fazer a montanha vir até Maomé! Hoje, por exemplo, resolvemos trazer um pedacinho de Paris, cidade adorada por milhares de pessoas, e fazer uma visita cultural pelo Museu do Louvre! Quem já visitou este que é um dos maiores museus do mundo provavelmente deve ter se cansado com tanta gente e tantas obras e ficado até meio perdidx, na verdade... Mas, não se preocupe, pois vamos fazer um recorte homoerótico e apresentar apenas algumas obras desta vasta coleção. São lindas pinturas e esculturas... Confira! 

Jovem nu sentado à beira do mar, estudo de figura

Jovem nu sentado à beira do mar, estudo de figura de Jean-Hippolyte Flandrin - Imagem: Warburg/Unicamp 

Este jovem e belo rapaz desnudo, sentado em uma rocha à beira do mar, é uma pintura do francês Jean-Hippolyte Flandrin feita entre 1835 e 1836 em Roma. O pintor havia viajado para lá graças a uma bolsa de estudos que havia ganhado para aprimorar a sua vocação. Em 1837, em cumprimento aos requisitos da bolsa, a obra foi enviada para Paris. Em 1857, Napoleão III comprou a pintura, que agora faz parte da coleção do Louvre. Ela se tornou um ícone da cultura homossexual no século XX, inspirando fotografias de Holland Day, Wilhelm von Gloeden, Robert Mapplethorpe, entre outros.

Caronte atravessando as sombras

Caronte atravessando as sombras de Pierre Subleyras - Imagem: Historia-Arte.com 

Na mitologia grega, Caronte é o barqueiro que transporta as almas dos recém-falecidos sobre as águas dos rios Estige e Aqueronte, que dividiam o mundo dos vivos do mundo dos mortos. Ao retratar este tema, o pintor francês Pierre Subleyras conseguiu atender aos padrões da Academia, que exigia que jovens artistas tivessem domínio perfeito da representação clássica de nus e drapeados. Este óleo sobre tela foi feito por volta de 1735.

David com a cabeça de Golias

David com a cabeça de Golias de Guido Reni - Imagem: Gallerix 

O pintor bolonhês Guido Reni nos traz aqui uma pintura que se assemelha as de Caravaggio, que utilizava fortes contrastes de luz e geralmente apresentava cenas históricas ligadas a episódios sangrentos. Além disso, uma certa frieza permeava suas figuras que, mesmo em suas poses mais cruéis, ainda preservavam elementos de uma elegante melancolia. No caso desta obra de Reni, feito em 1605, o tema está em sintonia com o repertório caravagista, mas a figura aqui é retratada sem sentimentos trágicos, com um distanciamento elegante. A pose do andrógino David é a de um dândi, com chapéu de penas vermelhas e seu corpo iluminado por uma luz lunar, que define suavemente seu corpo, enquanto a escuridão se espalha do fundo. O jovem está contemplando a gigante cabeça decepada de Golias. O momento dramático da ação já passou e se transformou em tranquilidade. O tema de Davi e Golias, pintado pelo "sublime Guido", como foi chamado por muitos anos, teve muito sucesso, pois além desta bela versão do Louvre, há uma na Gallerie degli Uffizi em Florença e outras cópias podem ser encontradas em vários museus de toda a Europa.

Os lutadores

Os lutadores de Philippe Magnier - Imagens: Marie-Lan Nguyen/Wikimedia Commons 

Esta estátua é uma cópia de uma estátua romana que está na Galleria degli Uffizi, em Florença, que também é uma cópia. Portanto, a cópia francesa da cópia romana! Mas a origem de tudo seria uma escultura grega helenística do século III a.C., que representa uma cena de uma modalidade esportiva chamada de pancrácio, uma antiga arte marcial e antigo esporte de combate sem armas, que segundo a mitologia grega teve início com os heróis Héracles e Teseu. A versão francesa foi produzida por Philippe Magnier entre 1684 e 1688 para o parque do imponente Palácio de Versalhes. Antes de chegar ao Louvre, passou também pelo parque de Marly e o Jardin des Tuileries.

São Sebastião

São Sebastião de Pietro Perugino – Imagem: Wikimedia Commons 

São Sebastião é um dos santos mais retratados na arte. Em quase todas as suas representações, observamos um jovem forte, quase todo desnudo, com flechas penetrando seu corpo, sem demonstrar dor, nem sofrimento, mas êxtase... Em decorrência disso, acabou se tornando também um ícone gay, como já falamos aqui neste post. Esta pintura do renascentista italiano Pietro Perugino, feita em 1495, não foge à regra. O santo se destaca em primeiro plano, no centro da pintura, criando uma composição fortemente simétrica. Amarrado a uma coluna, seu corpo seminu tem o modelo de beleza certamente inspirado em estátuas gregas antigas. Ah, e existe uma versão praticamente idêntica no MASP, considerada uma cópia autografada do artista feita uma década depois.

O banho turco

O banho turco de Ingres – Imagem: Warburg/Unicamp

No final de sua vida, aos 82 anos, o pintor francês Jean-Auguste-Dominique Ingres criou o mais erótico de todos os seus trabalhos com esta cena de um harém turco. Observamos dezenas de mulheres nuas sentadas ou deitadas em poses diversas ao redor de uma piscina, relaxando e passando o tempo. Um dos principais elementos de homoerotismo está nas duas mulheres que estão à direita, no primeiro plano. Elas estão abraçadas e uma delas está acariciando o peito da outra. Essa pintura, datada de 1862, combina dois temas que interessavam bastante a Ingres, a nudez e o Oriente, e é considerada uma de suas obras-primas.

A união da Pintura e da Escultura

A união da Pintura e da Escultura de Jacques Buirette – Imagem: Wikimedia Commons

Esta escultura em mármore foi apresentada em 1663 por Jacques Buirette para a sua admissão na Academia Real de Pintura e Escultura da França, fundada em Paris em 1648 por Luis XIV, o "Rei Sol". A obra do escultor destaca duas figuras femininas seminuas que interagem entre si de forma levemente erótica e são as personificações da pintura e da escultura. A representação alegórica destas duas modalidades de arte (e também da arquitetura) como figuras femininas, aliás, surgiu na primeira metade do século XVI na arte italiana e seguiu posteriormente. Ah, e outro detalhe interessante dessa escultura é que uma das mulheres se apóia sobre um macho sem cabeça.

Suposto retrato de Gabrielle d'Estrées e sua irmã

Suposto retrato de Gabrielle d'Estrées e sua irmã de autor desconhecido – Imagem: Artsy

Embora hoje em dia possamos fazer uma leitura homoerótica desta obra, seu contexto original é bem diferente, como podemos observar pelo título que foi atribuído a ela. Supostamente são duas irmãs. Ok, poderia ser uma relação incestuosa, mas, na verdade, não é o caso. Este é um possível retrato da duquesa Gabrielle d'Estrées, a amante mais famosa do rei Henrique IV da França, e da irmã dela, a duquesa de Villars, em um momento de intimidade em uma banheira. O toque no mamilo é muitas vezes interpretado como uma indicação de uma gravidez, pois o peito é a fonte do leite materno. Além disso, ao fundo, vemos uma costureira, que estaria preparando a roupa do bebê que está por vir. Ah, e outro indicativo desta interpretação é que, na mão esquerda de Gabrielle, vemos o que poderia ser o anel da coroação de Henrique IV, dado a ela como símbolo de seu amor e uma promessa de casamento, o que parece que escandalizou a Corte. A obra é de um autor desconhecido da Escola de Fontainebleau, pintado por volta de 1594. Mas, de qualquer forma, a imagem destas duas mulheres tem uma alta carga de sensualidade e homoerotismo e nos coloca em uma posição de voyeur, não é mesmo? 

As três Graças


As três Graças de Jean-Baptiste Regnault – Imagem: Wikimedia Commons

Na mitologia grega, as Cáritas, que ficaram conhecidas pelos romanos como Graças, eram deusas da natureza que personificavam o charme, a beleza e a criatividade humana. Eternamente jovens e adoráveis, representando a vida em toda a sua plenitude, inspiraram dezenas de pinturas e esculturas ao longo dos séculos. Esta obra do francês Jean-Baptiste Regnault, por exemplo, produzida em 1793-1794, é uma destas representações e demonstra o gosto pela antiguidade que estava em voga na França do século XVIII. O artista se inspirou em uma escultura antiga localizada em Siena e, com habilidade e precisão, produziu esta pintura que se destaca pela cor, charme, beleza e erotismo. Outra obra presente no Louvre com o mesmo tema e a mesma sensualidade e elegância é a escultura neoclássica do francês Jean-Jacques Pradier, de 1831.

As três Graças de Jean-Jacques Pradier – Imagens: Wikimedia Commons

Fauno adormecido

Fauno adormecido de Edme Bouchardon - Imagem: Warburg/Unicamp

Se víssemos um homem hoje em dia nessa posição no Instagram, seria provavelmente mais um padrãozinho querendo ganhar biscoito, não é mesmo? Mas essa escultura, na verdade, representa um ser mitológico conhecido como fauno (também chamado de sátiro), que é meio-humano e apresenta algumas características animais, geralmente uma cauda, pernas, orelhas ou chifres de bode, e é um seguidor de Baco, deus do vinho. Esta estátua do francês Edme Bouchardon, cópia de uma escultura da coleção do Cardeal Barberini, feita em Roma por volta de 1730, tem curiosamente um rabo, quer dizer, uma cauda. Já o restante do corpo é todo de um deus grego. E está adormecido, pois abusou do vinho... Antes de dar o close no Louvre, o fauno passou por vários parques franceses.

A comparação

A comparação de Jean-Frédéric Schall - Imagem: Images d'Art

Este quadro do pintor francês Jean-Frédéric Schall, feito no século XVIII, é um representante do que ficou conhecido como "festa galante", categoria criada especialmente para pinturas que retratavam os frequentes encontros ao ar livre dos ricos aristocratas franceses deste período. O principal tema destas obras era, portanto, a aristocracia francesa em momentos de divertimento, ócio, sedução e cortesia. As figuras eram geralmente representadas em paisagens bucólicas, campestres, frequentemente comendo, lendo ou tocando instrumentos. Ou então fazendo brincadeiras bobas, como esta que dá nome ao quadro de Schall, "A comparação", ou seja, estas mulheres nuas estão comparando o próprio corpo, ou mais precisamente, suas bundas, com o da estátua da Vênus, deusa do amor e da beleza, enquanto outra mulher, dentro d'água, cutuca uma delas com um pedaço de mato, e outras só observam. De acordo com um historiador francês, esta pintura evocaria uma cerimônia erótica de uma rica sociedade de libertinagem, "A Sociedade das Afrodites", localizada em Montmorency, nos arredores de Paris, onde havia um vasto território, inteiramente fechado, repleto de jardins, florestas e bosques, palco de orgias indescritíveis que foram organizadas pelas "Afrodites". Uhlalá! As pinturas da festa galante são uma parte importante do período da arte conhecido como Rococó, que viu o foco das artes europeias se afastar da grandeza hierárquica e padronizada da igreja e da corte real, para apreciar a intimidade e os prazeres pessoais.

Niso e Euríalo

Niso e Euríalo de Jean-Frédéric Schall - Imagens: Wikimedia Commons e reprodução da internet

Niso e Euríalo são dois soldados de Troia que são retratados na "Eneida", grande poema épico escrito por Virgílio no século I a.C. Eles formam um dos casais mais emblemáticos de relação de pederastia entre dois homens na antiguidade, sendo Euríalo o mais jovem e Niso o mais velho e mais experiente. "Niso era um sentinela valente e ágil, perito em dardos e setas. Ao seu lado estava Euríalo. Não havia ninguém mais lindo que ele dentre os troianos. Uma imensa ternura os unia e o mesmo portão ambos velavam", descreve o grande poeta romano. Seu amor e sua amizade eram tão profundos que estavam dispostos a morrer um pelo outro, se necessário. E de fato uma tragédia acontece e os dois morrem juntos em uma batalha. "O corpo aberto em chagas, ele cai por cima de Euríalo, deita-se abraçado a ele e expira em plácido sossego." Trágico e belo ao mesmo tempo. Esta escultura do Louvre, de 1827, feita pelo francês Jean-Baptiste Roman, representa esse momento dramático. Atenção para o detalhe da ternura das mãos dadas... E também para a suculenta bela bunda! Ai ai...

Hermafrodita dormindo

Hermafrodita dormindo de autor desconhecido - Imagens: Wikimedia Commons

Na mitologia grega, Hermafrodito era o filho dos deuses Hermes e Afrodite (daí o seu nome, aliás), representando a fusão entre o sexo masculino e o feminino. Teria sido um rapaz extremamente bonito, que tentou ser seduzido pela ninfa Salmacis. Mas, como ele recusou suas investidas, ela convenceu Zeus a fundir o corpo dela ao corpo do Hermafrodita, o que resultou em um ser intersexo. Esta bela escultura do Louvre, cópia romana datada do século II d.C. de uma original grega do século II a.C., foi descoberta em Roma somente em 1608. Em 1619, o cardeal Borghese, então detentor da obra, confiou ao escultor barroco italiano Gian Lorenzo Bernini a execução do colchão sobre o qual Hermafrodita repousa languidamente. Foi uma das obras mais admiradas da coleção Borghese nos séculos XVII e XVIII e representa um tema muito repetido nos tempos helenísticos e na Roma antiga, a julgar pelo número de versões que sobreviveram. Há outras cópias em diversos locais, como na Galleria degli Uffizi, em Florença, nos Museus do Vaticano, no Hermitage em São Petersburgo, entre outros. E é curioso observar como esse corpo que unia elementos masculinos e femininos e despertava tanto interesse passou a ser visto como algo a ser rechaçado, como acontece muitas vezes até hoje com as travestis, por exemplo. No entanto, antes, as representações destes corpos faziam parte até de coleções ligadas à Igreja. Por isso que é bom estudar História, né?! Algo bastante em falta nos tempos atuais...


Espero que você tenha gostado desse passeio cultural pelas obras homoeróticas do Louvre! Em breve, visitaremos outros museus! ;)

Ah, enquanto isso, você pode ver alguns posts anteriores relacionados à arte:
Viagem iconográfica: São Sebastião, de símbolo religioso a ícone gay
Inhotim: paraíso para quem curte natureza e arte interativa

Por Tiago Elídio...

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