Confira a entrevista com Alexandre Nakahara, diretor do curta "Lugares de Medo e Ódio"

No filme Lugares de Medo e Ódio, as histórias de preconceito e violência contadas são as de Susi, André, Amara, Rafael e Vanessa. Mas são também as de milhares de outras pessoas espalhadas por todo o Brasil, que sofrem diariamente com a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero. O diretor do documentário, Alexandre Nakahara, nos concedeu uma entrevista e falou um pouco mais sobre seu curta, exibido nesta última edição do Rio Festival de Gênero & Sexualidade no Cinema.

Alexandre Nakahara no Rio Festival de Gênero & Sexualidade no Cinema - Foto: Tiago Elídio

LGBT Out There: De onde veio a ideia para fazer o filme?
Alexandre Nakahara: Eu sempre acompanhei o tema, principalmente quando aconteceu o caso do André, um dos primeiros que eu vi, pois ele falava sobre o assunto. Um caso muito conhecido é o do ataque com a lâmpada na Avenida Paulista, mas os meninos não falaram, não vieram à público. Muito gente sabe quem são eles, mas eles não chegaram a divulgar igual o André. E o caso do André ficou muito na minha cabeça, porque aparecia em todos os lugares, em vários canais de TV, em todos os jornais, sempre... Até esse ano apareceu uma matéria sobre ele no Estadão. Eu fiquei sempre pensando muito, porque eu me via muito, pois eu pensava: "Se aconteceu com o André, com certeza pode acontecer comigo". E eu estava querendo fazer um documentário sobre questões LGBT e eu tinha percebido que nunca ninguém tinha feito nada com o André, por exemplo. Então ele foi um pouco o meu ponto de partida. E depois você pesquisa sobre o tema, você se depara com todo o histórico da militância e você começa a ver as questões de hoje em dia. E nessa época que eu estava fazendo o projeto, em 2014, as questões trans também não estavam iguais como hoje, mas já estavam aparecendo bastante e também foi algo que eu queria mostrar no filme, que era uma militância que estava surgindo muito forte.

LGBT Out There: E além do André, como foi a escolha desses personagens?
Alexandre: O André eu não conhecia, mas eu achava que era de um ambiente próximo ao meu, socialmente, culturalmente, e depois eu fui andando mais ou menos por esse caminho. Depois do André, em 2015, quando eu estava fazendo a produção do filme, apareceram os casos da Unicamp, onde eu estudei, então eu acompanhei os casos desde o começo e pensei que também poderiam ser uma história legal. Naquela época era bem o comecinho do início da carreira de militante e ativista da Amara e ela topou fazer o filme e falar sobre isso. Primeiro eu comecei com pessoas de um lugar próximo, vamos dizer assim, depois a próxima pessoa foi a Vanessa, indicação de uma amiga minha. Depois de ver essas três pessoas e estudar um monte sobre o assunto, você pensa: "Bom, mas não é só isso, tem muito mais gente" e daí você vê que são três pessoas brancas que poderiam ter passado pela minha vida em diversas situações, mas eu sei que é muito abrangente. E quem morre realmente são pessoas muito mais pobres, pessoas como a Susi, por exemplo, porque o André tem dinheiro para pagar um advogado. Ele mesmo é um advogado. Na época, ele era estudante de Direito, mas ele tem todo esse suporte para utilizar a lei, pois demanda um dinheiro para usar essas leis estaduais. Quando as leis são federais, elas são muito mais fáceis. Vendo isso, eu comecei a frequentar um Centro no Arouche, na região da República, onde tem muita gente que trabalha na rua. E esse Centro, chamado Centro de Referência e Defesa da Diversidade, atende essa população da região. Eu comecei a frequentar esse Centro, conheci uma pessoa que trabalha lá, a Bruna, uma ativista trans, e depois que eles me conheceram a Bruna começou a me indicar umas pessoas. Então eu conheci a Susi e o Rafael, que trabalha, ou trabalhava lá também. A Susi foi a pessoa mais diferente de mim, pois o Rafael também poderia ter passado pela minha vida em algum momento. Mas a Susi é bem diferente, é isso, você pode ter estudado sobre a questão, lido a respeito, mas não conviveu com uma pessoa que passou por tudo que ela passou. É mais ou menos isso.

Cena de "Lugares de Medo e Ódio" - Imagem: Divulgação

LGBT Out There: E como você avalia a importância de um filme como o seu no contexto brasileiro? Em um país onde morre um LGBT a cada 25 horas.
Alexandre: Não sei, é complicado, pois muitas críticas ao filme vêm em direção a esse pessimismo, pois ele foca no que é o preconceito, acho que o olhar foi direcionado a isso. E ao mesmo tempo parece que eu desconsidero os avanços que aconteceram, e realmente aconteceram, como o casamento... Mesmo toda a visibilidade que está tendo hoje em dia. O projeto é de 2014, daí eu fui gravar no segundo semestre de 2015, comecinho de 2016 e o filme só foi lançado na metade de 2016. Então ele tem esse intervalo grande. E de 2015 para cá aconteceram muitas coisas, várias mudanças... A militância trans apareceu de um jeito gigantesco, está até na novela agora, por exemplo. Acho que todas essas mudanças vão acontecendo de modo rápido, mas os dados não refletem a abertura da sociedade. E estou falando de São Paulo, não sei como é nos outros lugares. A maioria dos casos nem é de São Paulo. É muito difícil achar esses dados. Os que usei são do Grupo Gay da Bahia, que faz esse relatório anual. E de acordo com eles, os principais casos acho que são no Norte e no Nordeste. Hoje em dia há vários relatórios que falam que o Brasil é o país que mais mata pessoas trans no mundo, mas muitas pessoas às vezes nem se endentem como trans, isso é uma coisa que eu entendi fazendo o filme, talvez hoje em dia, que as questões estão mais abertas, talvez se entendam melhor, mas muita gente nem se entende como trans e sofre violência, e por isso ainda faz sentido colocar essas pessoas juntas, pois muita gente não sabe o que é, quem é... E quando você começa a entrar em todo o universo das letras, você vê todas as coisas, tanto as incongruências e porque ainda faz sentido estar junto, pois a gente vê que o "G" toma um superespaço sempre.

LGBT Out There: O filme já passou por quais cidades? 
Alexandre: O filme passou em Amsterdã, Washington, Calgary, no Canadá, Florença, na Itália, Leeds e Londres, na Inglaterra, La Plata, na Argentina, e essa semana passou em Assunção, no Paraguai. Ah, e recebeu um prêmio em Valladolid, na Espanha, um prêmio de público. Esse eu queria estar lá para ver o que as pessoas acharam do filme. Foi bem interessante, porque eu não estava esperando mesmo. E ele recebeu menção honrosa na Semana Paulistana do Curta-Metragem que acontece em São Paulo, que também foi bem legal, pois esse acho que foi um dos únicos festivais que não era de temática LGBT. E o reconhecimento foi legal.

LGBT Out There: E já está programado para outros festivais?
Alexandre: Por enquanto, não. Mas vai passar no "Seminário Fazendo Gênero", em Florianópolis, que é um ambiente mais acadêmico.

LGBT Out There: E já está com ideias para novos projetos?
Alexandre: Estou. É que é sempre muito difícil, pois você sempre espera trabalhar e daí você junta um dinheiro para fazer mais um filme. O bom dessa recepção do filme é que te dá um pouco mais de confiança para fazer outro, porque você não sabe como o filme vai ser recebido. E este até que teve uma boa circulação, o que me dá mais confiança.

LGBT Out There: Parabéns pelo filme e obrigadx pela entrevista!
Alexandre: Obrigado você!

E vale mencionar que o Rio Festival de Gênero & Sexualidade no Cinema rola até o próximo domingo, 16 de julho. Para consultar a programação completa, é só acessar aqui o site oficial!

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