Feliz Orgulho, São Paulo!


No próximo dia 18 acontecerá a 21ª edição da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo. A data, como de costume, busca unir o simbolismo do histórico 28 de junho de 1969 no Stonewall Inn de Nova Iorque e o providencial feriado brasileiro de Corpus Christi que será em 15 de junho, a quinta-feira que antecede o domingo de passeata.


Os LGBTs brasileiros, contemporâneos do lendário embate no bairro de Greenwich Village, viviam extremamente marginalizados ou camuflados com o AI-5 e os reflexos do acirramento das liberdades individuais e da política cifrada da gestão do país no governo ditatorial.

Os primeiros esforços de organização em torno de debates e pleitos progressistas sobre causas de minorias, como mulheres, negros, religiosos não cristãos, ambientalistas e homossexuais, só emergiram em terras tupiniquins uma década depois do seu aparecimento nos Estados Unidos.

O retorno dos exilados trouxe consigo estas pautas, que foram duplamente rechaçadas. Primeiro, pela direita conservadora que, já desgastada, não poderia se indispor com uma sociedade machista e reacionária. Segundo, pela esquerda engessada que julgava a luta das minorias completamente irrelevante num país de terceiro mundo com problemas sociais tão acentuados como o Brasil.

O embrião da Parada de São Paulo foi uma passeata que teve início nas escadarias do Teatro Municipal paulistano em protesto contra as frequentes batidas policiais, detenções, truculência e extorsão dos policiais da equipe do lendário delegado Richetti.


A aproximação dos movimentos organizados de esquerda dos raros grupos homossexuais causou uma divisão de opiniões, onde parte via-se manipulada para emprestar uma falsa ideia de modernidade aos grupos socialistas, enquanto outros acreditaram que o partidarismo seria a solução para unir esforços e conseguir visibilidade e respeito social.

Estas divergências de opiniões aliadas ao aparecimento da AIDS geraram uma necessidade de mudar o foco destes grupos para a urgência que se apresentou. A articulação dos grupos para defesa de direitos sociais foi eclipsada pela questão da saúde, quando apareceu uma infinidade de ONGs de apoio a vítimas da doença.

Nos anos 90 o conceito GLS, emprestado do mercado automobilístico, transpunha o Grand Luxury Sport para o superestimado poder aquisitivo homossexual. Apesar da enorme dificuldade de estudo e trabalho presente na vida dos LGBTs, surgiram locais, produtos e serviços destinados a um público que se convencionou mais amplo, democrático e inclusivo, unindo a gays e lésbicas os simpatizantes.

Isto, alavancado com o advento da internet como mídia alternativa, fez com que novos grupos militantes retomassem, a partir de 1996, o processo de organização de manifestações que passaram, à revelia, da Praça Roosevelt para a Avenida Paulista e tomou proporções gradualmente mais expressivas, chegando a ser considerada a maior parada do orgulho LGBT mundial.


Com um formato completamente diferente das referências internacionais, a Parada de São Paulo, e consequentemente as demais manifestações brasileiras, caracteriza-se por ser folclorizada, numa celebração festiva que pouco se assemelha às passeatas esquerdistas sisudas ou às marchas direitistas ufanistas. Pela Avenida Paulista, a multidão não se organiza previamente em alas determinadas de subgrupos, vivências e identidades da comunidade LGBT. As demonstrações de alegria e orgulho dividem o mesmo espaço com propostas e manifestações individuais com o uso de cartazes, fantasias e performances.

Não é um desfile assistido, delineado entre passarela e público através de barreiras metálicas.

A alegria que suscita é legítima, vindo de uma população que sofre com violência, depressão, ansiedade, transtornos obsessivos e uma infinidade de subprodutos do preconceito.

Todos os anos a APOGLBT, Associação da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, indica um tema, mas nada é imposto e todos se manifestam individualmente ou em grupo sobre suas próprias vivências de opressão e expressões de orgulho e alegria. Se por vezes o aspecto de determinados recortes que se faz dos participantes não agrada é justamente esta a sua maior força, a de dar ação a todos a que dela participam. Não se trata de um desfile programado, com discurso homogêneo e ensaiado, mas de dar ação ao povo e que ele mesmo se manifeste, em massa, sem intermediários: confuso, alegre, contestador, alienado, engajado, obsceno, disperso, contraditório, colorido, barulhento, mascarado, descamisado, bêbado por vinhos baratos, com smartphones empunhados em selfies, ou com cartazes de protesto. Dar chance de ação para esta comunidade é confiar na sua própria capacidade de encontrar o seu lugar no mundo.

Seguramente nenhum participante das paradas de São Paulo dá conta da totalidade do movimento que cada vez mais se desdobra em identidades alfabéticas particulares (GLBTTQIHSHMSMSSMMTFFTMXYZ+...), mas cada um dos elementos desta multidão certamente dá conta da totalidade de um ser humano que vivencia as opressões externas e opressões internalizadas de uma sociedade que ainda tem muito a melhorar.


Neste ano o tema proposto da APOGLBT é “Independente de nossas crenças, nenhuma religião é lei! Todas e todos por um Estado Laico” e terá o patrocínio das marcas SKOL e UBER e novamente será precedida por um mês repleto de atividades que estimulam o debate, o aprendizado, o entretenimento e a convivência para além dos guetos: http://paradasp.org.br/agenda2017/

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