Viagem cinematográfica: USA em AHS - Coven

Por Luiz Sanches

Nesta temporada imagens inspiradoras foram mostradas como objeto de desejo dos personagens centrais: um minotauro fetichista - metade homem e metade touro - vindo diretamente das lembranças mitológicas gregas de deuses vingativos e criaturas fantásticas; o musculoso, jovem, belo e educado vizinho; um charmoso, maduro e sedutor músico de jazz; e até mesmo um Frankenstein montado num necrotério com as melhores partes de corpos masculinos diversos, destinado a ser o namorado perfeito.

Imagem: Cenas de American Horror Story

Também são apresentadas outras três figuras curiosas: Spalding, um homem adulto, quieto, misterioso, viciado em brincar com bonecas e idolatrar uma diva; Quentin, um idoso extravagante e falastrão que se vangloria de sucessos pessoais com afetação e alegria ingênua; e Delphine, uma mulher preconceituosa que dá vazão à sua ignorância utilizando-se de sadismo num jogo de poder, ao mesmo tempo em que se revolta com o que considera a hipocrisia contemporânea de um mundo que faz promessas de igualdade social que não pode cumprir.

Imagem: Cenas de American Horror Story

Mas o foco do enredo é mesmo sobre um grupo marginalizado, perseguido e agredido, formado por integrantes que, obviamente, não escolheram fazer parte dele e que muitas vezes resistem à sua condição por medo de como serão julgados e sujeitos a crimes motivados pelo ódio.

Entre elas, Misty Day, uma pessoa gentil e apaixonada por sua natureza que vive isolada da humanidade para se proteger. Quando entra em contato com o grupo, sente as más vibrações de um ambiente contaminado com as imposições de Madison. Esta, nascida entre a AIDS e o 11 de Setembro, conhecida pelo seu senso de merecimento e narcisismo, antenada com a mídia social, que permite que todos vejam toda vez que ela come um sanduíche, tem como interesses principais pênis grandes, bebidas e roupas de marca, tudo para fugir da dor existencial, mas isso consegue apenas afundá-la no vazio e num silêncio interno.

Misty também é afetada por Queenie e sua postura defensiva e agressiva de quem se acostumou a enfrentar o preconceito geral e a falta de representatividade dentro do próprio grupo, com estereótipos de cor de pele e ideal físico difundidos e aceitos; pela confusão mental de Nan, que escuta constantemente os pensamentos, opiniões e ideias das pessoas que a cercam; e pela tristeza de Zoe, que se descobriu numa condição que pode condenar à morte seus parceiros sexuais.

Imagem: Cenas de American Horror Story

À frente deste clã de bruxas, estão a insegura e enganada Cordélia, a vaidosa, egoísta, sagaz e com medo de envelhecer Fiona e a inconformada Myrtle.

Estas e Marie Laveau, que mantém um segundo grupo ainda mais marginalizado por ser negro e pobre, serão obrigadas a sair das sombras e lutarem para não serem queimadas. Terão de tomar consciência da necessidade de união e comunidade para vencer tempos de crise. Esquecer as diferenças e deparar-se com a vulnerabilidade e a agonia de estarem expostas e lidar com uma confiança que já há muito se havia quebrado para perceber que precisam umas das outras para sobreviver.

Assim como as bruxas, os gays também foram perseguidos. Faggot (ou fag), palavra inglesa originalmente para um ramo de gravetos que mantém o fogo das fogueiras acesso, é também uma gíria norte-americana para se referir aos homossexuais masculinos. Provavelmente a relação entre os dois significados e o uso da mesma palavra se deveu ao costume da inquisição de queimar esse grupo na fogueira sob a acusação de heresia por homossexualidade.

Imagem: Cenas de American Horror Story

Em Nova Orleans, cenário desta temporada, os visitantes LGBTQI encontram uma infinidade de eventos carnavalescos, políticos, literários e cinematográficos. O Gay Mardi Gras (fevereiro/março), o Saints & Sinners Literary Festival (março), a Gay Easter Parade (abril), a New Orleans Pride (agosto), a Southern Decadence (agosto/setembro) e o Halloween (outubro) pontuam anualmente uma rotina de bares e clubes que depõem sobre a tendência para música ao vivo, observação de pessoas e senso geral de orgulho típicos da cidade, e se concentram principalmente nos bairros French Quarter (da St Philips St. à Esplanade Ave.), Marigny e Uptown (Tulane e Loyola).

Com formação multicultural e uma atmosfera descontraída e despretensiosa, a cidade é um dos destinos mais procurados dos Estados Unidos. Atrações como o New Orleans Museum of Art, o New Orleans City Park, vias e locais públicos (como Royal Street, Canal Street, Bourbon Street e Jackson Square), e o passeio de barco pelo maior e mais importante rio da história americana, o Mississippi, são fundamentais para qualquer visitante.

Além deste roteiro turístico tradicional, os fãs de AHS podem visitar todas as locações da terceira temporada.

A cidade é composta por contradições históricas. Tida como um oásis de tolerância no deserto de conservadorismo do sul americano, atraindo jovens de outras cidades de Louisiana e outros estados mais conservadores ao redor, e adotada como lar por importantes artistas LGBT dos Estados Unidos, como Tennessee Williams, Truman Capote, Lyle Saxon, Tony Jackson e Frances Benjamin Johnston, Nova Orleans também foi palco de episódios sombrios, como o incêndio criminoso ao bar Upstairs Lounge, em 1973, que deixou 32 mortes e um silêncio obsceno da mídia e das autoridades, e de uma ainda presente segregação racial e econômica que é transposta para a comunidade LGBT e expressa claramente pela chamada “cultura sissy” (gíria que define o gueto homossexual negro e pobre), com artistas representativos como Big Freedia e Katy Red.

Contradições que nem mesmo um furacão como o Katrina foi capaz de corrigir. Mas, definitivamente, é um lugar especial.

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